COEXISTINDO: o lugar que somos, criamos e compartilhamos
Escritos
geográfico-panfletários * Número 01
COEXISTINDO:
o lugar que somos, criamos e compartilhamos.
Dennis
Zagha Bluwol
É nítida a sensação de aprisionamento vivida
pelos angustiados habitantes dos centros urbanos, seja na cidade ou no campo.
Angustiados, a meu ver, por sentirem-se cada vez mais apartados, alienados
daquilo que dá sentidos à vida. Alienações em relação à própria geograficidade
corporal, limitação de movimentos, de interação; alienações em relação ao contato
com o outro, animal humano ou não-humano, no perceber-se construindo os lugares
conjuntamente; alienações em relação a nossas infinitas conexões com todo o
resto da natureza, com os próprios fundamentos dos lugares, com a existência
(com o mesmo direito que nós de existir livremente) de tantas outras espécies
animais, vegetais, tantos processos e ciclos, tantas conexões, colaborações e
competições...
Criar novos modos de ser da humanidade
exige conscientizar-se de nossa geograficidade, um ato extremamente
revolucionário: eliminação de castrações geográficas.
***
Cada um de nós é um resultado momentâneo
e em constante transformação de nossas trajetórias de vida, que já se
entrecruzaram com outras incontáveis pessoas, animais, ares, terras, águas,
etc., e estão a todo instante se relacionando, em nossos AQUIS e agoras, com
todas as pessoas, animais, ares, terras, águas, etc. que nos cruzam e,
indiretamente, com todas as pessoas, animais, ares, terras, águas, etc. que já
cruzaram as trajetórias dessas pessoas e das pessoas que cruzaram com tais
pessoas...
Os LUGARES são estes ENCONTROS DE
TRAJETÓRIAS. Nosso “´Aqui` é um imbricar
de histórias no qual a espacialidade dessas histórias (seu então tanto quanto
seu aqui) está, inescapavelmente, entrelaçada.” (MASSEY, 2008, p.202)[1].
Os lugares “nos envolvem, forçosamente, nas vidas de outros seres humanos e, em
nossas relações com não-humanos, indagam como responderemos ao nosso encontro
temporário com essas rochas, pedras e árvores particulares. Eles exigem que, de
uma forma ou de outra, confrontemos o desafio da negociação da multiplicidade.”
(MASSEY, 2008, p.204).
Nossa GEOGRAFICIDADE é fruto deste encontro
de trajetórias. De estar juntos. Assim, uma grande questão da Geografia é a
COEXISTÊNCIA. O encontro e co-transformação de espacialidades.
O que é
a POLÍTICA senão a questão do estar juntos?
Se entendermos que o ser humano só
pode existir coletivamente, a Geografia é política: se desejarmos,
possibilitadora de criação de novas realidades coletivas, assim como de novas
individualidades. É o pensar a coexistência, o constante encontro/desencontro
de espacialidades. A geografia, mais do que um campo de conhecimento, é a
leitura de nossa geograficidade, dimensão fundamental de nossa existência
(assim como nossa historicidade). Compreender nossa geograficidade é poder produzir
conscientemente nossa espacialidade, entendendo que “espaço” não é uma coisa “em-si”
nem algo externo aos fenômenos, mas uma dimensão da existência dos fenômenos,
inclusive de nós mesmos. É em nossas interações em coexistências que nossa
espacialidade é produzida (nesta “obrigação de coexistência”, como diria
Massey). Assim, entender a Geografia como leitora/construtora de coexistências
(não apenas em relação aos humanos) a faz fundamental na criação de novos modos
de viver em sociedade e de se relacionar com o resto da natureza.
Nossa vivência é sempre geográfica. Construímos
(ao menos em parte intencionalmente) nossas espacialidades, as quais dividimos
e compartilhamos. Criamos fronteiras. Somos geográficos e nos “geografizamos”
com os outros, com tudo o que se encontra em nossas trajetórias. E essa é nossa
geograficidade, os lugares que somos, criamos e compartilhamos.
Percebendo
o que está à nossa volta e pensando no que se relaciona direta ou indiretamente
a tudo isto, confirmamos que nada é desconectável, a não ser em nosso
pensamento abstrato. Nada é “em-si”: somos todas as relações a nós possíveis.
Relações estas que se transformam a todo instante e em ritmos diferentes. O
lugar é sempre impermanência e relação, “lócus
de geração de novas trajetórias e novas configurações.” (MASSEY, 2008,
p.204). E assim é nossa geograficidade, que é nossos lugares e os lugares que somos.
O lugar que queremos é o tipo de
coletividade que queremos, o modo como praticaremos nossa coexistência. Harvey,
em relação à cidade, disse: “a questão do
tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que
desejamos nos tornar” (HARVEY, 2008, p.11)[2].
É preciso produzir e viver conhecimentos
geográficos preocupados com a questão da convivência e que assim se popularizem,
ajudando a criação de consciências geográficas preocupadas com coexistências
mais justas, amáveis, profundas e libertadoras. Assim, a Geografia, como
leitura de mundo, pode tornar-se um importante passo emancipador dos indivíduos
e coletividades.
A liberdade deve ser vivida
concretamente, não apenas como possibilidade em um TEMPO futuro, mas como
realidade concreta ESPACIALMENTE existente. Liberdade espacial, verdadeira
libertação do presente, do lugar concreto, do interagir pessoa-si-mesmo, pessoa-pessoa,
pessoa-animal, pessoa-natureza, conscientes de nós mesmos e dos outros e suas
geograficidades necessárias. É preciso que criemos nossas geograficidades
conscientemente e livremente, considerando sempre, também, a existência e
integralidade dos outros, assim como de nós mesmos, agindo em prol de
princípios de liberdade: pessoas livres, animais livres, territórios livres!
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