POR UMA GEOGRAFIA NÃO ESPECISTA
Escritos
geográfico-panfletários * Número 02
POR UMA GEOGRAFIA NÃO ESPECISTA
Dennis Zagha Bluwol
Discutimos no curso de Geografia: a
humanidade é também natureza. Tudo faz parte da natureza. Discutimos também:
vivemos em um modo de produção onde a humanidade é explorada por uma minoria de
seus próprios integrantes. Comentamos: o “meio-ambiente” é explorado também
neste processo. Mas não discutimos: o mesmo processo que explora humanos e o
que eles consideram ser “recursos naturais” explora também outros animais não
humanos, que possuem, em semelhança ao humano, a capacidade de sentir dor,
incomodo, prazer e desprazer. E mais: não possuem apenas sensibilidade, mas
também certa consciência destas sensações: são sencientes. Assim, tais animais
sofrem atrocidades inenarráveis. Bilhões deles, constantemente. Um número
gigante de atrocidades, de imposição de dor, desconforto, separação da família,
do convívio social padrão de sua espécie, de seus comportamentos comuns,
torturados, manipulados, debicados, engaiolados, enjaulados, acorrentados,
adestrados, isolados, paralisados, testados, pendurados e assassinados. Tratados
como coisas, como se seres vivos, indivíduos de outras espécies, pudessem ser
propriedade de outros. Isto se chama escravidão.
Como coisas, propriedades de humanos,
como qualquer outra coisa, no modo de produção capitalista, são apenas peças.
Não possuem mais valor do que uma máquina qualquer (por exemplo: onde se coloca
ração de soja e se tira carne muito mais cara). Não se considera a senciência
dos animais, seus próprios interesses e vontades. É um crime absurdo que a
maioria de nós é cúmplice no mínimo 3 vezes ao dia e, ainda, quando nos
vestimos, consumimos cosméticos, medicamentos e mais um número incontável de
produtos.
Proponho, por ora, duas questões:
1) Questionar movimentos chamados
ambientalistas que não rompem com o modo de produção capitalista (ou não fazem
uma crítica radical a ele) ou com qualquer modelo de mundo baseado no
desenvolvimento industrial e na centralização de poderes. A exploração e a
destruição de uma floresta ou uma espécie qualquer é parte do mesmo processo
que explora um trabalhador em uma fábrica. É esse modelo de produção e consumo
que está aí imposto para nós o responsável tanto pela destruição direta da
natureza (e inclui-se aí a humanidade e os outros animais), quanto pela
destruição ideológica que atinge cada vez mais profundamente a humanidade,
fazendo-nos agir do modo mais brutal, egoísta, consumista e alienado (em todos
os sentidos) possíveis.
2) A produção do conhecimento (no nosso
caso, da Geografia) deve iniciar a reflexão sobre a existência dos animais não
humanos não apenas como elementos dos chamados “recursos naturais”, mas como
seres capazes de sentir e de ter consciência deste sentir. Esse fato – a
senciência – deve estar presente em nossos juízos éticos e, portanto, em nossa
produção científica.
Os animais possuem o mesmo direito que
os humanos de viver em liberdade e em lugares adequados, limpos, diversos, e de
fazer aquilo que costumam fazer como membros de suas espécies. Não deveriam ser
vistos, nas pesquisas geográficas, como recursos econômicos, meios de
transporte, alimento, etc., ou seja, como propriedade.
Não tratar os animais com o devido
respeito só por não fazerem parte de nossa espécie possui já (desde a década de
1970) um nome: especismo. Esse termo foi criado com base em termos como sexismo
ou racismo. O princípio é o mesmo: achamos que não devemos respeitar um grupo
de seres pelo simples fato de não fazerem parte de nosso sexo, de nossa raça ou
de nossa espécie. Não há como justificar eticamente estas escolhas. Se já
sabemos da senciência dos seres, de suas riquíssimas vidas e comportamentos,
não há como justificar a continuidade das fazendas-fábricas, das gaiolas, zoológicos,
biotérios (aqui na PUC há um!), dos testes crudelíssimos de produtos e
substâncias em seus organismos, dos testes psicológicos, etc.
Da mesma forma, não podemos permitir que
se faça uma Geografia (e qualquer ciência) que não considere os animais do modo
apropriado, que não os veja, como aos humanos, como seres complexos e oprimidos,
sofrendo nas mãos de carrascos.
A luta contra o especismo é uma luta
abolicionista, cuja particularidade é que os segregados e explorados não
possuem voz para falarem por si mesmos.
É preciso considerar os animais e seus
LUGARES tanto quando aos humanos e seus LUGARES. Novas coexistências, novas
geograficidades...
Comentários
Postar um comentário