Sobre a libertação da libertação

  


Sobre a libertação da libertação

 

Vivemos, nestes últimos anos, um momento interessante no movimento vegano: a tentativa de se estabelecer uma visão abolicionista, demarcando territórios necessários em meio à multiplicidade de discursos que, em nome do mesmo “movimento”, por vezes se antagonizam.

Contudo, nesse esforço, houve uma proliferação de pessoas e textos tentando homogeneizar não apenas o veganismo, mas também os veganos.

(Confesso que caí nesse erro em meus primeiros textos e palestras sobre o tema, a partir de 2005, tentando demarcar um veganismo que expressasse conceitos e visões de mundo clássicas de visões políticas à esquerda. Com o passar do tempo, fui tentando desenvolver uma ética mais interdependente e complexa, que não se limita às clássicas categorias marxistas).

Cada vez mais vemos textos e discursos criticando a existência de personalidades e interesses diversos entre os veganos (esotéricos, místicos, hippies, yogues, punks, liberais, capitalistas, socialistas etc.).

Aparentemente, há um interesse de parte das vozes abolicionistas em estabelecer um “vegano ideal”, um “vegano puro”. Contudo, tal obstinação por um conjunto de “veganos puros” aponta para o desejo de um coletivo de origem alienante, dado que seria ocultador dos sujeitos. Trata-se de um ideal pasteurizador, fruto da cultura de criação de gado que embasa nossa civilização.

Infelizmente, portanto, como já apontei em textos anteriores, em nosso movimento contrário ao confinamento bovino, há diversos discursos que visam tratar os humanos como gado a ser controlado.

A existência de veganos diversos favorece a construção de conhecimento e de uma nova cultura mais respeitosa (que é para o que nós, ativistas, gastamos tanto de nossas energias nos últimos anos). A relação com a diversidade permite as trocas necessárias para se evoluir intelectualmente, psicologicamente e socialmente.

É urgente que o veganismo reflita sobre a profundidade do perigo da manutenção do padrão psicológico e social advindo da cultura de criação de gado (em curso desde a Revolução Agrícola), ou seja, sobre o perigo do comportamento inquisidor, policialesco e sacerdotal que vem crescendo no veganismo nos últimos anos.

(Isso não significa aceitar discursos e práticas que defendam a exploração e a opressão de animais. O presente texto dialoga com discursos e práticas existentes no interior das fronteiras éticas do veganismo abolicionista).

Em suma, além das libertações dos animais, dos humanos e da natureza, é preciso haver uma libertação da própria libertação. Que possamos ainda ter tempo para rumar nesta direção!

 

Dennis Zagha Bluwol, 28 de setembro de 2010

Nota de 2021: O conteúdo deste texto, escrito no interior de agitados diálogos, em um momento em que as discussões teóricas entre veganos era rica e ampla, deve ser completada com impressões posteriores, como demonstradas em textos como os seguintes:

O veganismo não mais nos pertence (2016)https://fronteirasemeandros.blogspot.com/2020/05/o-veganismo-nao-mais-nos-pertence-2016.html

O problema das posturas brandas no movimento vegano (2020): https://fronteirasemeandros.blogspot.com/2020/05/o-problema-das-posturas-brandas-no.html

Veganismo: do abolicionismo ao hedonismo (2020): https://fronteirasemeandros.blogspot.com/2020/05/veganismo-do-abolicionismo-ao-hedonismo.html

Novas acusações: veganismo é escravagista, além de comunista e burguês (2021): https://fronteirasemeandros.blogspot.com/2021/04/novas-acusacoes-veganismo-e_2.html

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