A mente e o mundo (2013)


A mente e o mundo 

O presente ensaio foi revisto e ampliado em 2023, e incorporado no artigo "Ensino de Geografia no Contexto das “Ciências da Natureza”: em busca de uma Educação Cosmológica Eticocêntrica", publicado no livro "Revisitando a teoria e prática a partir da formação de professores: programas PIBID e PRP"

Quando observamos a maneira como as sociedades e os indivíduos se organizam - suas espacialidades e temporalidades expressas em suas paisagens -, estamos nos atentando, em realidade, para a maneira como tais pessoas vivem “o mundo” a partir do modo como o percebem e o enchem de significados, transformando mentalmente a miríade incontável de fenômenos e processos percebidos em algo com certa ordenação passível de ser vivida.

Assim sendo, pode-se falar que há aí um caráter cosmológico, considerando que “cosmos”, termo usado primeiramente por Pitágoras, significa exatamente “ordem”, já que dependendo do modo como nossa mente está estruturada - ordenada - para perceber o mundo, certa noção do que é “o mundo” - certa ordenação -  é gerada (viver um lugar passa por trazê-lo para dentro da mente - abstraí-lo -, organizá-lo e vivê-lo no interior da consciência).

De certa forma, portanto, o modo como percebemos e ordenamos mentalmente o mundo concreto cria o que entendemos por mundo (nosso cosmos mental interfere no modo como entendemos o cosmos concreto), delineando, consequentemente, nossas possibilidades de vivermos e modificarmos o mundo concretamente existente.

Assim, pensar a espaço-temporalidade do mundo humano é pensar em estruturas mentais, perceptivas e cognitivas que geram certos comportamentos; é pensar em como modelamos o mundo com base em certos padrões mentais, certos desejos, sentimentos, apegos, aversões, preconceitos, ideias, gostos, crenças etc.

Isso faz com que seja de imensa importância, se quisermos compreender aspectos da ação humana no mundo, que atentemos para as mentes humanas, para seus padrões de percepção e julgamento, para suas maneiras de se vincular aos diversos fenômenos, para as emoções nelas existentes e para os conceitos que estruturam categorias básicas da vivência humana (tais como espaço, tempo, eu, outro, natureza etc.). O modo como agimos e transformamos o mundo deriva de nossa percepção e de nossa cognição.

Esse aprofundamento na percepção, na cognição, nos sentimentos e nos desejos humanos é fundamental para investigar-se com profundidade a concretude das existências individuais e sociais. 

É impossível, portanto, do ponto de vista da experiência humana, separar nossas dimensões mentais e o mundo concreto em que vivemos. Não há um mundo concreto para nós sem o filtro da mente. Não há, ao menos em nossa experiência ordinária do mundo, mente humana que não seja atrelada a todos os diversos fenômenos externos aos quais possui alguma forma de contato direto ou indireto. Em suma, para nossa experiência, mente e mundo não são entidades independentes [1].

Tal impossibilidade de se determinar limites nítidos entre a mente e o mundo vivido, ou seja, entre mentes e lugares, representa uma tradução em linguagem geográfica e cosmológica da inseparabilidade entre sujeitos e objetos.

A sociedade forma-se por indivíduos com cosmovisões diversas, o que faz com que vivam, ainda que em um mesmo mundo concreto, mundos diversos, com referências, valores, conceitos e linguagens diversas, além de responderem aos estímulos advindos do mundo (tanto do mundo concreto quanto do mundo mental) de maneiras diversas. São muitos mundos em um. Muitos túneis de realidade.

Daí, da presença destes diversos “mundos”, “cosmos”, no mesmo mundo, podemos derivar duas consequências:

a) Os desejos éticos, políticos e pedagógicos tendem a resultados pífios se dedicarem-se apenas aos conteúdos a serem anexados às mentes e não também às mentes “elas mesmas”. Para se mudar o mundo concreto, é imprescindível que haja transformações em padrões mentais. Tentar aprimorar nossas relações (sociais e ambientais, por exemplo) sem considerar esse fato, é seguir apontando flechas para o breu, esperando milagrosamente que se acerte o alvo correto, e sem que o arqueiro veja a si mesmo como parte do problema a ser resolvido.

b) Os diversos túneis de realidades, as diferentes cosmovisões, não são qualitativamente equivalentes. Há cosmovisões mais e menos sábias, justas, eticamente aceitáveis, belas etc.

Cabe, portanto, averiguá-las, investigá-las, não apenas com interesse descritivo, mas, especialmente, investigando-se quais traços cosmológicos devem ser impulsionados ou transformados, tanto em nossos processos individuais de aprimoramento, quanto nos processos educativos coletivos.

NOTA
[1]  Importante ressaltar que não estou fazendo uma defesa de uma visão de mundo na qual o mundo existiria apenas mentalmente. O mundo existe concretamente para além de nossa mente, mas, para nossa experiência de mundo, há uma fusão entre mente e mundo. Além disso, não se trata da defesa de um mundo no qual sua concretude, em qualquer escala, pode sempre ser alterada pela mente de um indivíduo, como visto nos discursos de algumas posturas contemporâneas pretensamente espirituais do tipo “pense e o Universo responderá”.

Dennis Zagha Bluwol, 2013


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