Crise ecológica como crise cosmológica (2013)


O presente ensaio foi revisto e ampliado em 2023, e incorporado no artigo "Ensino de Geografia no Contexto das “Ciências da Natureza”: em busca de uma Educação Cosmológica Eticocêntrica", publicado no livro "Revisitando a teoria e prática a partir da formação de professores: programas PIBID e PRP"

Cada um de nós é um resultado momentâneo e em constante transformação de nossas trajetórias de vida, que já se entrecruzaram com outras incontáveis pessoas, animais, ares, terras, águas etc. e estão a todo instante se relacionando, em nossos “aquis” e “agoras”, com todas as pessoas, animais, ares, terras, águas etc. que nos cruzam e, indiretamente, com todas as pessoas, animais, ares, terras, águas etc. que já cruzaram as trajetórias dessas pessoas (...) e das pessoas (...) que cruzaram com tais pessoas (...), num processo de interdependência e impermanência que nos remete ao infinito.

Assim sendo, nos termos de Doreen Massey, podemos entender os lugares como encontros de trajetórias, no sentido de que nosso “´aqui` é um imbricar de histórias no qual a espacialidade dessas histórias (seu então tanto quanto seu aqui) está, inescapavelmente, entrelaçada.” (MASSEY, 2008, p.202).

Os lugares “nos envolvem, forçosamente, nas vidas de outros seres humanos e, em nossas relações com não-humanos, indagam como responderemos ao nosso encontro temporário com essas rochas, pedras e árvores particulares. Eles exigem que, de uma forma ou de outra, confrontemos o desafio da negociação da multiplicidade.” (MASSEY, 2008, p.204).

Conclui-se, portanto, que a interdependência, a multiplicidade (coexistência, diversidade) e a mutabilidade (impermanência) são elementos fundantes da realidade. Perceber, compreender, sistematizar ou viver o mundo sem considerar essas suas características essenciais é gerar mentalmente um mundo equivocado, é vivê-lo de forma equivocada e, possivelmente, nele gerar equívocos.

Essa afirmação parece forte demais, mas basta observar com alguma cautela o modo hegemônico de membros de nossa cultura viverem o mundo para que ela se torne um dado empírico: o que é viver a vida como se pudéssemos ser entes isolados dos demais seres vivos e dos ambientes, como se apenas importasse no mundo aquilo que nos interessa pessoalmente, como se as coisas estivessem no mundo, perenemente, apenas para satisfazer nossos prazeres individuais? Em suma, nossa cultura individualista e possessiva é prova suficiente de que pouco ou nada consideramos as características fundamentais da natureza acima apontadas na estruturação de nossa cultura.

Se as características que constituem o mundo tal como é – seus fundamentos naturais ou ecológicos - não são elementos constituidores de nossas cosmovisões hegemônicas, pode-se concluir que vivemos uma profunda crise no modo como existimos no mundo, uma crise de habitação de nossa própria natureza, o que configura uma profunda crise ecológica, em que entes ecológicos – relacionais, coexistentes, interdependentes, impermanentes - não se percebem como tal e agem como se não o fossem.

Há, portanto, falhas graves na constituição de nossas cosmovisões dominantes, responsáveis pela crise ecológica em curso. Não habitamos o mundo considerando suas características fundamentais: estamos alienados da vida. 

Dennis Zagha Bluwol, 2013


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