Cosmologia, ambientalismo, escatologia e antropocentrismo

    


Basta um novo vulcão, terremoto, enchente, tsunami ou outro evento com potencial para a catástrofe para que passemos novamente a ouvir que o planeta está se vingando de nós ou que seria um sinal dos fins dos tempos.

A primeira afirmação possui um caráter ambientalista e a segunda um caráter escatológico/religioso.

Esse tipo de cosmovisão que entende que tudo acontece no mundo apenas como uma resposta para o ser humano, ainda que possa expressar alguma boa intenção (tentativa de criticar a postura humana contra o planeta ou outras más ações típicas de nossa espécie), ao mesmo tempo reforça a causa de muitas das más condutas dos humanos sobre a Terra, ou seja, a prática de se entender o planeta como algo que existe por causa e para a humanidade.

Tal visão de mundo comumente decorre de:

a) Uma imposição ao planeta de uma espécie de mente humana, que pode ser, por exemplo, vingativa. Trata-se de uma espécie de humanização do planeta e, portanto, uma subjugação do planeta ao modo de ser de apenas uma de suas espécies;

b) Um ponto de partida cosmológico de que o humano é o centro do mundo e tudo ocorre em sua função. O planeta, como se fosse um indivíduo pensante, nos analisa e nos pune, usando suas mais pesadas energias para isso.

 A crença que a natureza opera conscientemente visando a humanidade é mais um exemplo do antropocentrismo, ou seja, da visão de mundo que coloca o ser humano no centro do Universo. Esse é um cuidado que se deve ter ao se lidar com discursos de parcela dos ambientalistas, especialmente quando se trata de um tipo de ambientalismo romantizado por doutrinas pretensamente espirituais da Nova Era: uma mistura de má ciência com má espiritualidade que gera, comumente, apenas alienação mascarada de sapiência. Trata-se de certo ambientalismo que ajuda a reproduzir uma cosmovisão errônea e potencialmente geradora de destruição ambiental e opressão dos animais.

Já em relação ao discurso escatológico da religião, soma-se à humanização do planeta e ao antropocentrismo o desconhecimento/a negação do fato de que nosso planeta, durante parcela significativa de sua história de 4,6 bilhões de anos, e por diferentes motivos, pareceu-se muito mais com um cenário apocalíptico do que o mundo atual, relativamente estável e com poucos eventos naturais um pouco mais destrutivos (mas nem de perto catastróficos como os que a Terra já viveu).

Há poucos séculos, conseguimos avançar de uma visão geocêntrica para uma visão heliocêntrica e, depois, aceitamos que nosso Sol é também mais uma estrela dentre bilhões de nossa Galáxia que, por sua vez, é, também, mais uma dentre bilhões (talvez dois trilhões) de galáxias. Contudo, os mais pesados de nossos centrismos permanecem: o antropocentrismo e, mais ainda, o egocentrismo, que lhe é correlato, mas mais forte.

Nosso egocentrismo é tão forte que nossos códigos morais, mesmo quando bem intencionados, consideram apenas aqueles que são parecidos conosco como seus merecedores: os humanos. Mais além, entre os humanos, é comum ver-se aqueles que mais se parecem conosco como mais importantes que os demais e, ainda mais além, na raiz das cosmologias hegemonicamente vividas, as pessoas tendem a ver a si mesmas como o centro do Universo, aquilo que dá sentido para a própria existência de tudo o que existe. Em consequência, cria-se a impressão de que o Universo e nosso planeta (incluindo-se aí os minerais, vegetais, animais etc.) são fabricados para as finalidades – materiais e espirituais – de cada indivíduo, e que os processos naturais globais são, por consequência, sempre uma resposta consciente e vingativa aos comportamentos humanos.

Tal expansão do egocentrismo é comum tanto em discursos ambientalistas (especialmente entre os que apontam para uma vingança da Terra) quanto em discursos religiosos, o que faz com que seja comum que vejamos em tais discursos a manifestação do egocentrismo em escala geológica e astronômica.

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