Sobre a experiência do sobrenatural: a busca pela ética
Preocupar-se com a ética é se
preocupar com a correção de nossos atos. Preocupar-se com a correção de nossos
atos é, primordialmente, preocupar-se com o modo como eles podem gerar
sofrimento para outros seres e com os impactos de nossos atos aos ambientes que
possibilitam a qualidade de vida de todos os seres.
As preocupações de ordem ética são,
portanto, de natureza diversa das preocupações estritamente ligadas à
sobrevivência. O foco na sobrevivência, imperativo na ordem natural, dita a
preponderância dos atos básicos da sobrevivência (se alimentar, reproduzir-se,
competir por território ou poder) sobre quaisquer outras atitudes. Na prática,
isso significa que, virtualmente, tudo é válido na busca da própria
sobrevivência, independentemente dos prejuízos e sofrimentos impostos por tal
busca a outros seres. Eis um resumo da lógica natural.
A ética, ao limitar o escopo válido de nossas ações, mesmo que isso prejudique aspectos de nossa própria sobrevivência, transcende em nós, corpos naturais, a própria natureza. Assim, ela é um movimento para além da natureza. Portanto, a ética é, literalmente, sobrenatural, e a busca pela excelência moral pode dar o tom da busca pelo sobrenatural, sendo que tal busca pode se dar, ao menos, de duas formas:
a) busca pelo sobrenatural
espiritual: a busca pelo que transcende a natureza que entende a natureza como
a totalidade do mundo material - a busca da realidade espiritual e/ou divina;
b) busca pelo sobrenatural ético: a
busca pelo que transcende a natureza que entende a natureza como a lógica
egoísta da garantia da própria sobrevivência a qualquer custo - a busca da
excelência ética.
As duas buscas podem se contradizer
(quando a busca pelo sobrenatural espiritual leva o ente a defender posições
antiéticas dada a defesa dessas posições por alguma linha religiosa ou texto
sagrado) ou se amalgamar. Há diversas configurações possíveis para os meandros
e as fronteiras entre as duas buscas pelo sobrenatural.
Está em
nossas mãos a escolha entre sermos naturais, privilegiando a autossobrevivência
egoísta independentemente do sofrimento por ela gerado, ou buscarmos o
sobrenatural, transcendendo a natureza em nome da ética.
Esse milenar dilema humano, mesmo que
com diferentes roupagens, persiste no interior de nossas mentes, de nossos
conjuntos de ideias, do modo como nos inserimos na natureza e de nossas formas
de organização social.
Caso a ética seja devidamente
valorada por nós, cabe estarmos cientes de tal dilema e termos a atenção e o
esforço necessários para tomarmos as melhores decisões a cada pensamento ou
ato, de modo que transcendamos a influência da amoralidade natural que, em
seres morais - nós - produz a imoralidade.
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